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O caos saiu à rua na Venezuela




            Hoje a Venezuela parece à beira do colapso, o governo está cada vez mais isolado, tanto internamente como internacionalmente, a economia está em ruínas com uma degradação acelerada desde 2014. Mas qual é a história por detrás disto? Neste artigo vou procurar falar sobre a situação económica e política venezuelana. Uma segunda parte seguir-se-á dentro de alguns dias em que analiso a cobertura mediática da Venezuela comparativamente com outros países. 


Pobreza na Venezuela

Recentemente numa entrevista ao canal de Youtube de Tiago Paiva, o atual Ministro da Defesa, afirmava que a Venezuela era um dos países mais ricos do mundo antes do socialismo. Se a credibilidade de Nuno Melo já era pouca, ficámos também a saber que Nuno Melo acha que em 1998 a Venezuela era um dos países mais ricos do mundo, um facto que pode não parecer verdade, mas quando vamos ver os dados, realmente não é. Em 1999 quando Hugo Chávez ganha as eleições a Venezuela tinha um PIB per capita de 4087$, o que a colocava na média da América Latina, o PIB Venezuelano vai crescer continuamente e em 2014, um ano após a morte de Chávez e o último ano para qual o Banco Mundial tem dados, a Venezuela ultrapassava a média da América Latina em cerca de 5 mil dólares (uma breve nota que o Banco Mundial por vezes retira certos países na América Latina por serem “outliers” que não representam a realidade na região, por exemplo, Ilhas Caimão, a média que eu usei incluí estes países).


Longe de ser um completo desastre económico, foi antes um período de crescimento económico, mesmo que não milagroso. Importa referir que este período inclui vários episódios conturbados, como em 2002 quando uma tentativa de golpe consegue a breve prisão de Hugo Chávez, mas que é revertida graças a mobilizações populares em massa. Em 2003, o governo de Chávez vai nacionalizar as companhias de petróleo usando as suas receitas para o financiamento de projetos sociais que lhe permitem manter a sua popularidade, ganhando as eleições de 2006 com 63% dos votos e de 2012 com 54%. 


Contudo, os lucros provenientes do petróleo foram também um presente envenenado. Sobretudo sendo a Venezuela o principal exportador de petróleo para os EUA, com quem ao mesmo tempo mantinham relações geopolíticas tensas, em particular com a nacionalização da exploração de petróleo, sempre muito cobiçada pelos EUA. De facto, as primeiras sanções americanas à Venezuela ocorrem ainda em 2005, vão ser extensamente reforçadas em 2013 e em 2018, só em 2024 vão receber um pequeno alívio, sob a égide de incentivo à democracia. Olhos mais cínicos podem ver o aliviamento como a necessidade de trazer as maiores reservas de petróleo do mundo de volta para o mercado agora que a Rússia estava sob sanções apertadas.


Não nos devemos esquecer que as sanções não foram praticadas apenas pelo EUA. Numa altura em que o Ocidente condenava a miséria que o governo de Maduro perpetuava nos seus cidadãos, esses mesmos governos aplicavam sanções desenhadas para destruir a economia venezuelana, segundo um relatório da ONU as receitas do governo venezuelano, altamente dependentes do petróleo, podem ter decrescido até 99%. Ao que se somam cerca de 5 mil milhões em contas congelados no estrangeiro (inclusivo no Novo Banco), resultando em severas quebras nos serviços básicos como o acesso a eletricidade, água, educação e saúde. Um exemplo é como a falta de equipamento (que não pôde ser comprado nem arranjado devido às sanções) e pessoal qualificado levou a que 53 crianças não pudessem receber transplantes de fígado e medula óssea na Venezuela, forçando o Estado a pagar as cirurgias na Itália e Argentina.


Muitas críticas podem ser lançadas à gestão económica na Venezuela, como de resto se podem lançar a qualquer país. A excessiva dependência no petróleo criou uma situação precária, apesar do melhoramento de vários indicadores como a diminuição da pobreza relativa entre 2000 e 2014, outras áreas tiveram evoluções menos otimistas, como a falta de melhoria da esperança média de vida. Mas é inegável que a pobreza extrema que agora associamos à Venezuela começou com as sanções e a ingerência externa. Em 1960 o departamento de Estado dos EUA escrevia que os embargo a cuba devia “trazer fome, desespero e o derrubamento do governo”, a mesma receita está a ser passada para a Venezuela. John Bolton, um diplomata de longa carreira nos EUA e que pertenceu à administração Trump admitiu publicamente ter ajudado a organizar o golpe de estado na Venezuela em 2019 alegando que faria uma grande diferença para a economia americana se o petróleo venezuelano tivesse sob o  controlo de empresas americanas.

 


Situação política

Isto conduz-nos à situação atual, os protestos preenchem as ruas da Venezuela e a oposição (que já anteriormente tinham afirmado que só podiam ser derrotados por fraude) alega fraude eleitoral, acusação que tem sido ecoada ou pelo menos acreditada por vários líderes internacionais, como o Secretário de Estado dos EUA Antony Blinken e vários países europeus, apoiados em sondagens à boca da urna realizadas por uma empresa americana com ligações ao governo americano. Mesmo assim, apesar de ainda não existirem provas verificadas de fraude eleitoral, é verdade que o ambiente pré-eleitoral não favoreceu de todo a democracia, incluindo a proibição de alguns líderes da oposição concorrerem e acusações de perseguição política, inclusive do Partido Comunista da Venezuela que anteriormente apoiou Maduro. Mas não é o aumento da repressão esperada quando o país está sob extrema pressão externa? Não era o próprio objetivo das sanções degradar a vida na Venezuela e provocar revolta contra o governo? Não era esta uma estratégia desenhada para isolar o governo de Maduro e obrigar ou a desistir ou a praticar medidas autoritárias? Não foi esta a principal fraude eleitoral?


Muito se pode dizer sobre a má gestão económica e política do governo de Maduro, mas a degradação da economia e da democracia venezuelana está diretamente relacionada com a intervenção externa de países que querem explorar os recursos da Venezuela em detrimento do seu povo, que só vêem como democratas quem apoia os seus interesses económicos. Se o ocidente quer realmente democracia e eleições livres na Venezuela tem de contribuir para um clima democrático e de paz levantado as sanções. Até lá temos um governo de legitimidade democrática dúbia e governos sem legitimidade democrática nenhuma na Venezuela a decidir pelo povo venezuelano.


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