top of page

Não o SNS não é um desastre, precisa é de investimento (comparação Portugal Alemanha)

Muito se tem falado do estado do SNS, que depois de uma sangria de profissionais e de anos de subfinanciamento propositado, parece, finalmente, estar a rebentar pelas costuras. Para superar as dificuldades tem surgido, especialmente na direita do espectro político, a ideia de aumentar o peso dos privados no SNS (que hoje já correspondem a cerca de 60% da prestação de serviços e 40% do financiamento) (Gouveia, 2022). A Alemanha é frequentemente o exemplo de gestão a seguir, um país que gasta o dobro per capita e tem uma esperança média de vida menor, mas, que por virtude de ser a Alemanha, é necessariamente melhor.

 




               A primeira nota a fazer é que a escolha do sistema alemão se prendeu com o facto de este ser frequentemente dado como exemplo do sistema que Portugal deveria seguir. Creio que também não posso ser acusado se usar um exemplo que faça Portugal parecer melhor, se assim fosse usaria, por exemplo, o sistema búlgaro, que foi citado pelo Livre como exemplo a não seguir. Um exemplo válido, dada a frequente dificuldade demonstrada por Portugal em regular eficientemente o setor privado.

Relativamente aos custos importa notar que são aproximações por paridade de preços, que tem em conta as diferenças de preços dos produtos nos diferentes países (mais informação aqui). Os custos obrigatórios referem-se aos custos do Estado ou de seguros obrigatórios, custos voluntários referem-se a todos os outros, seguros voluntários, farmácias etc.


Fonte: OCDE.

A primeira coisa que salta à vista é a enorme diferença de investimento entre Portugal e a Alemanha, sendo que a Alemanha gasta sensivelmente o dobro de Portugal, uma diferença que se acentua quando olhamos só para os gastos obrigatórios. Vemos ainda que os gastos voluntários em Portugal são maiores, o que nos dá uma pista sobre falhas na cobertura do SNS (medicação, saúde dentária, saúde mental etc.).

 A segunda é que o resultado básico (mas não único) do sistema de saúde é favorável a Portugal que tem uma maior esperança média de vida e menor mortalidade infantil. Importa notar que a esperança média de vida pode ser influenciada por diferentes fatores, contudo, não deixa de ser relevante que, apesar de um investimento consideravelmente menor, Portugal consiga uma maior esperança média de vida levantando sérias questões relativas à eficiência.

O maior número de consultas e de camas de hospital demonstram claramente uma vantagem no sistema alemão que produz mais output nestas áreas. Provavelmente parte da explicação pode-se prender em problemas há muito tempo identificados no sistema nacional de saúde português nomeadamente a significativa camada da população portuguesa sem médico de família e a falta de investimento de capital que tem degrado as condições físicas dos nossos equipamentos de saúde como o caso flagrante da não construção do hospital do Seixal, um conselho que cresceu de 20 mil habitantes em 1960 para 166 mil em 2021.

               Outra questão que talvez demonstre a falta de cobertura do SNS prende-se no facto dos custos voluntários serem mais altos em Portugal. Parece-me provável que os seguros obrigatórios alemães (assim como os voluntários portugueses) financiem custos como idas ao dentista ou lentes de contacto. O facto, porém, mantém-se, que o preço total é mais elevado na Alemanha que em Portugal.

               Não quero com isto dizer que o sistema português é melhor que o alemão, provavelmente não será numa série de outros fatores, porém as restrições orçamentais são incomparáveis. De facto, os recursos do sistema português têm sido propositadamente escassos numa tentativa de racionalizar os gastos, subjacente a uma lógica que o SNS é sempre gastador. Quanto a isto questiono: se os resultados invertessem, se o sistema alemão fosse mais barato, mas tivesse uma melhor esperança média de vida produzindo menos consultas e camas de hospital não diríamos que este era sinal de uma melhor gestão? Talvez até uma maneira racional de gerir proporcionada por um sistema privado mais preocupada com os custos? Não será talvez possível que o privado seja mais gastador até por esta ser uma área com forte financiamento estatal e com uma importância tão grande que estamos dispostos

               Talvez seja altura deixarmos de narrativas fáceis e ideológicas que tudo o que é privado funciona melhor simplesmente por ser privado. O que se impõe não é desmantelar ou reduzir o financiamento de um sistema que fez Portugal passar de um dos países com piores resultados na Europa para um dos países com melhores resultados. O que se impõe é antes capacitar este sistema e recompensar quem lá trabalha e que tanto tem dado a Portugal.


Referências

Gouveia, M. (2022). Saúde e Hospitais Privados em Portugal. Fundação Francisco Manuel dos Santos.

 

Comments


bottom of page