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Podemos falar do Euro?


            Em 1999 o Euro foi oficialmente implementado, sendo que desde março de 1995 havia uma aproximação das moedas europeias para permitir a adesão ao Euro. Como consequência, desde 1996 que crédito barato inundou Portugal, o que muitos apontavam como uma grande oportunidade de crescimento resultou num período de quase estagnação económica, uma divida pública galopante (de 62% em 1995  passou para 134.9% em 2020, tendo diminuído para os 95.1% em 2024), e, ainda mais preocupante, a divida pública externa passou de menos de 10% do PIB (Teixeira, 2017) para perto dos 67% em 2023 o que resultou numa fuga massiva de capitais, e acabou por levar à primeira crise bancária da história de Portugal (Cardão-Pito & Baptista, 2017).

            Obviamente que o Euro não é culpado por todas estas dificuldades, não podemos passar uma carta branca à inépcia de muitos dos nossos governantes neste período, às más escolhas do setor privado, particularmente da banca, não podemos também ignorar as alterações do cenário internacional, nomeadamente a entrada dos países da Europa do Leste no mercado único, países com melhores índices de educação e posições estratégicas, assim como a ascensão das economias asiáticas que rapidamente assumiram os mercados das indústrias de baixa tecnologia.

            Não podemos também ignorar as vantagens do Euro, nomeadamente o já referido crédito barato (apesar deste se ter relevado um presente envenenado), assim como uma moeda estável praticamente imune a ataques especulativos externos. Porém, parece-me evidente que a política monetária é um dos principais mecanismos que o Estado tem para fazer política económica, nomeadamente através da sua valorização ou desvalorização estratégica, portanto, a exclusão deste mecanismo das opções do Estado e até do controlo democrático levanta sérios problemas.

Podemos dar um exemplo prático, durante o período de austeridade foi feito uma “desvalorização competitiva”, isto é, para diminuir as importações portuguesas, houve uma política de diminuição dos rendimentos dos portugueses. Esta solução resultou da falta de uma moeda autónoma, tradicionalmente, quando os Estados precisam de diminuir as importações e aumentar as exportações desvalorizam a moeda, o que torna os produtos internos relativamente mais baratos para os mercados estrangeiros e torna os produtos externos relativamente mais caros (tendo a vantagem de não prejudicar diretamente o mercado de consumo interno). Sem moeda para desvalorizar o único trunfo é a diminuição dos rendimentos.

Muitos dos problemas do Euro eram já previstos, nomeadamente por englobar economias muitos diferentes como a portuguesa e a alemã sem ter um sistema de redistribuição que permita ultrapassar totalmente estes problemas. Os fundos europeus são uma tentativa de colmatar estes problemas, mas severamente limitada.

Vejamos o caso português, e podemos até usar este artigo do polígrafo. O artigo apresenta uma discussão entre o cabeça de lista da CDU e o cabeça de lista da IL. João Oliveira afirma: “No balanço, desde 1996 até agora, entraram em Portugal 101 mil milhões de euros e saíram 168 mil milhões em lucros, juros, rendas e dividendos”.  O resultado da análise do poligrafo é que isto é falso, nas palavras do polígrafo: “(…) os indicadores são distintos e, embora corretos, não foram devidamente enquadrados na declaração do comunista”, uma vez que os resultados apresentados correspondiam às contribuições líquidas e a saída aos saldos dos rendimentos e não unicamente à diferença entre o dinheiro recebido e o dinheiro enviado para a UE. Bem uma leitura da própria citação usada pelo polígrafo permite concluir que João Oliveira usou os termos corretos e se estava a referir aos saldos de rendimentos e não ao saldo das contribuições dos fundos recebidos.

Para evitar que este artigo se prolongue demais vou concluir com uma análise que não é só económica. A conclusão do polígrafo é errada, e o erro é tão óbvio que nem é preciso sair do próprio artigo para o perceber, mesmo aceitando a justificação usada pelo poligrafo a avaliação deveria ser pimenta na língua e não falso. É também interessante ver que o artigo do polígrafo é ele mesmo cofinanciado pela UE, criando um conflito de interesses óbvio. Para mim, parece-me que a discussão do euro, que já por si é complexa, é ainda complicada por uma aparente adoração pela UE que não permite uma crítica séria. Se a saída imediata do Euro seria um erro, é também um erro não o analisar profundamente ou descartar completamente as suas consequências, assim como seria um erro descartar à partida a saída a médio/longo prazo, ou pelo menos a existência de mecanismo que, caso necessário permitissem uma saída com o mínimo de consequências.

Referências

Grauwe, P. d. (2007). Economics of the Monetary Union. Oxford University Press.

Teixeira, P. B. (2017). O Euro e o Crescimento Económico. Fundação Francismo Manuel dos Santos.

Tiago Cardão-Pito, D. B. (2017). A Crise Bancária em Portugal. Conjuntura Actual Editora.

 

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