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Socialismo, a nova ameaça vermelha




               Longe do consenso académico, tem surgido, em alguns setores da direta, uma ideia de que o socialismo é hoje uma poderosa força política que deve ser derrotada pela direita liberal defensora do mercado livre e das liberdades individuais para permitir o sucesso e a racionalidade de um mundo sem “preconceitos ideológicos”. A figura mais predominante atualmente será Milei, que afirma que os valores ocidentais estão sobe ameaça do socialismo. Em Portugal, a Iniciativa Liberal tem tido o hábito de caracterizar como socialismo toda a oposição, desde a esquerda ao Chega que, por seu lado, se apresenta como a única opção contra o socialismo. Qualquer pessoa minimamente familiar com as colunas de opinião nos jornais nacionais (em especial no Observador) vai rapidamente encontrar ecos desta nobre cruzada contra a degeneração socialista. A questão que se coloca então é, onde anda o socialismo?

               De facto, depois da Segunda Guerra Mundial e da destruição que foi a primeira metade do século XX os governos tomaram medidas para controlar o mercado livre. Vão ser aplicados elementos Keynesianos de incentivo ao consumo, elevada taxação dos altos rendimentos e controlo público de alguns setores da economia. A título de exemplo, na Suécia, em 1975, o Estado vai deter 44% da riqueza sendo hoje perto dos 20%, nos EUA o escalão mais elevado de imposto sobre o rendimento foi de 91% entre 1945-63 e perto dos 70% até 1982, hoje está nos 37%. Estas políticas eram aplicadas, não para criar sociedades socialistas, mas para as combater. Os estados capitalistas procuravam combater a pobreza e o desemprego para evitar qualquer risco de revolução social, um perigo na altura plausível, basta relembrar que em 1945 o Partido Comunista Francês ganha as eleições.

Depois do choque petrolífero e da crise de estagflação subsequente, o neoliberalismo vai ganhar um espaço que nunca vai perder, tendo como seus primeiros paladinos no ocidente Reagan e Thatcher, o neoliberalismo vai-se manter como a força dominante na política ocidental. O dogma da independência dos bancos centrais é fortificado (Wachtel & Blejer, 2020), incentivando uma visão estreita do que deve ser o papel dos banco centrais afastada das necessidades da população (vejamos como o Banco Central Europeu lidou com a crise financeira e com a atual inflação), o setor público vai diminuir de tamanho e a ideia de emprego pleno é descartada, os impostos sobre as grandes empresas e os mais ricos vão decrescer criando uma corrida para o fundo, os apoios sociais e o estado social são colocados em risco principalmente em alturas de crise, a livre circulação de capitais e produtos é deificada independentemente do impacto que possa ter nas economias nacionais etc.

O atual governo do Partido Socialista português é um perfeito exemplo do que é hoje o “socialismo”, um governo que prefere consistentemente dar prevalência aos mercados financeiros em oposição aos serviços públicos. Aliás, seria difícil de imaginar que o PSD não ficasse satisfeito com os resultados que o PS demonstrou, diminuição da divida, excedentes orçamentais, aumento do PIB, tudo com uma carga fiscal abaixo da média europeia, mesmo que isso signifique a diminuição dos serviços públicos, em especial educação saúde e forças de segurança, que vão discretamente ficando cada vez mais dependentes do privado (vejamos o crescimento do setor privado na saúde, ou a percentagem do orçamento de Estado para a saúde que vai para o privado).

A pergunta volta a colocar-se: onde estão os socialistas que querem destruir o Ocidente? O socialismo transformou-se num termo de retórica, pouco ou nada definido (aliás, quanto menos definido mais conveniente) que se confunde com tudo o que se queira apresentar como mau, seja a taxação de lucros, seja a imigração, seja a proteção ambiental, seja o feminismo. Estes Don Quixotes liberais que lutam contra gigantes socialistas podiam ser pouco mais que apartes cómicos se não fosse o facto de serem levados a sério. Face aos sinais cada vez mais claros da falência do sistema liberal (a crescentes crise de habitação em quase todos os países ocidentais, inflação, aumento das desigualdades, perdas dos salários reais etc.), exige-se um entendimento claro do nosso mundo e não um retrocesso às políticas do século XIX combinadas com um fantasma disforme a que chamam de "socialismo".



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